fonte: O Globo
O Sistema Único de Saúde ( SUS ) chega aos 30 anos como um dos maiores legados da Constituição, que assegurou o direito à saúde gratuito e universal aos brasileiros. O SUS promoveu avanços que são referências mundiais, como os programas de Aids, transplantes e combate do tabagismo; expandiu a rede de saúde a todo o país; reduziu taxas de mortalidade e de doenças cardíacas. Mas também enfrenta críticas por falhas e retrocessos. Suporta ainda o peso do aumento das cargas trazidas pelo envelhecimento da população, da violência e da expansão de doenças infeciosas como a zika.
Um estudo do Coppead/UFRJ indica que, além do subfinanciamento crônico do sistema, há desperdício provocado por má gestão, que consome 46% dos recursos do SUS no estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Análise do Banco Mundial com a mesma metodologia chega à conclusão semelhante para o Brasil, afirma a coordenadora do estudo, Cláudia Araújo. Ela explica que ambos os estudos consideram a quantidade de recursos alocados e não valores, como a folha salarial. “Para o Brasil, os dados estimam ineficiência de 45% na atenção primária e de 70% em secundária e terciária, como cirurgias. A média nacional de ineficiência é de 50%”, diz.
São recursos desperdiçados por má gestão, seja ela corrupção, como a revelada pela Operação Sanguessugas, incompetência ou negligência, diz Araújo. O trabalho do Centro de Estudos em Gestão de Saúde do Coppead analisou quantidade de recursos humanos, físicos e materiais, como número de médicos, leitos, hospitais e atendimentos. “Há, por exemplo, excesso de exames desnecessários nos hospitais privados que atendem ao SUS. E a rede que deveria organizar o atendimento não funciona”, diz.
PRIORIDADE DA POPULAÇÃO
Para especialistas, na origem da má gestão está a falta de relevância política do sistema do qual dependem exclusivamente 162 milhões dos quase 209 milhões de brasileiros. Os recursos federais deste ano, R$ 130,8 bilhões, correspondem a cerca de 42% do orçamento do SUS. Somados os repasses de estados e municípios chega-se a cerca de R$ 257 bilhões, segundo cálculos da Associação Brasileira de Economia da Saúde.
A saúde é a maior preocupação da maioria da população, à frente de violência, corrupção e educação, segundo pesquisa da Datafolha. Mas isso não se reflete nos programas de governo dos candidatos à Presidência, diz Lígia Bahia, uma das autoras de uma análise das propostas, cujo resultado se resume a uma “inacreditável falta de importância dada à saúde, em total dissonância com o interesse da população”.
— A falta histórica de relevância política está na raiz dos problemas do SUS, seja o subfinanciamento seja a má gestão. Pelos programas dos candidatos, essa eleição indica que esse ciclo será perpetuado — diz Bahia, professora da Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFRJ.
Ela observa que saúde custa caro e nenhum sistema do mundo opera no azul.
— O SUS trouxe ganhos imensos para a população, mas nenhum governo o priorizou seja na alocação de recursos quanto na escolha de ministros. E não se trata só do Executivo. Jamais tivemos uma bancada do SUS no Legislativo. Com a crise econômica, piorou — frisa Bahia.
Coube ao SUS implementar a universalização da saúde. O Brasil se tornou o primeiro país a oferecer remédios contra o HIV, mudou o paradigma mundial. O programa de transplantes é referência mundial e estabelece uma fila única, que garante a equidade no acesso. O programa de combate ao tabagismo fez do Brasil, o segundo maior produtor de tabaco, reduzir de 30% para 15% o percentual de fumantes na população adulta, frisa Cristiani Vieira Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz.
Foi o SUS que fez do Brasil o país com a maior aceleração da redução da mortalidade infantil — a taxa diminuiu em 67,5% de 1990 a 2015, sem paralelo no mundo. No mesmo período, o país estendeu a todo o território a rede de atenção primária e o Programa Nacional de Imunização (PNI) havia alcançado a margem satisfatória de vacinação para 25 tipos de vacinas.
— É o SUS que mantém hospitais de referência, custeia o tratamento das doenças mais caras, avalia e distribui medicamentos e mantém um programa de saúde de família que atende a metade da população. Porém, o orçamento do Brasil para a saúde jamais passou de 4% do PIB. É muito pouco — salienta Machado.
Nos últimos dois anos, parte dessas conquistas começou a ser revertida. A mortalidade infantil, após dez anos de queda progressiva, voltou a subir. A cobertura vacinal caiu abaixo do nível seguro, só crescendo após campanha deflagrada após o aparecimento de casos de sarampo, não registrados desde 1989.
— A crise econômica agravou o problema. E cresceu a alocação de recursos do SUS no sistema privado de saúde, com renúncias fiscais e linhas de crédito — diz Machado.
PAGAMENTO DOBRADO
Subsidiar serviços privados de saúde e estimular planos populares é fazer dupla cobrança ao contribuinte, diz Bahia. “O brasileiro já financia o SUS com impostos. Não teria que precisar de plano. Isso deveria ser opção”, acrescenta. Para ela, o país está perto da “tempestade perfeita” na saúde, com a deterioração dos serviços e a desorganização da rede. Tempos melhores dependem da importância dada à pasta pelo novo governo e à criação de um sistema de fato integrado e transparente. Carlos Paiva, da ENSP da Casa de Oswaldo Cruz, concorda:
— O Brasil precisa construir uma base política que sustente o SUS e garanta transparência. É uma anomalia o brasileiro precisar de plano de saúde. Ele deveria exigir ter um bom SUS. A Constituição diz que a saúde é um direito. Isso é muita coisa. Falta a sociedade cobrar e os governos se comprometerem.
O QUE DIZEM OS CANDIDATOS
Não respondeu às perguntas enviadas pelo GLOBO. No plano de governo, ele diz que os recursos atuais são suficientes para aumentar a qualidade. Para isso, propõe um prontuário eletrônico nacional, criação da carreira de médico de Estado e academias ao ar livre.
Promete revogar o teto de gastos para a saúde, combater desvios, melhorar compras públicas, taxar produtos nocivos e rever isenções como forma de ampliar os recursos do SUS. A meta é chegar a 6% do PIB, contando com despesas de estados e municípios.
Não respondeu às perguntas enviadas pelo GLOBO. Propõe, no plano de governo, revogar o teto de gastos. Quer investir em policlínicas regionais, reduzir a fila para exames pagando pelos procedimentos no setor privado, corrigir os valores da tabela de procedimentos.
Defende que é necessário um maior aporte da União para o SUS, sem especificar de onde sairão os recursos adicionais. Propõe a reorganização dos serviços em 400 regiões como forma de desafogar as unidades das capitais, reduzindo filas e melhorando a qualidade.
Diz que é preciso restaurar as finanças antes de aumentar os recursos no SUS. Garante que dá para “gastar melhor”. Quer unificar dados de usuários, fazer prescrições eletrônicas, realizar mutirões para reduzir filas, reativar leitos e combater desvios.